sexta-feira, 29 de outubro de 2010

Mov

Envolto em mitos, lendas e questões ainda não esclarecidas, o cangaço é um tema ainda polêmico e controverso para a historiografia. O debate em torno do caráter heróico ou criminoso deste fenômeno do sertão do Brasil é uma constante, entretanto, não parece ser possível, ao menos por hora, chegar a um consenso sobre a natureza do cangaceirismo. Este conflito torna-se bastante evidente no que se refere a Lampião, o mais célebre cangaceiro do país. Caracterizado ora como um herói dos pobres, ora como bandido cruel e impiedoso, Lampião tornou-se figura emblemática do cangaço, representativa das controvérsias em torno do assunto.

Todavia, tentar responder efetivamente estas indagações, desfazendo as polêmicas através de uma versão definitiva, não parece ser o mais importante. Uma questão mais relevante se daria em torno das formas como estes grupos de bandoleiros fora-da-lei se articulavam com a política local, a maneira como eles se inseriam nos jogos de poder e em que medida a sua ação poderia fortalecer ou fragilizar o domínio dos grandes coronéis do Nordeste.

É neste ponto que se situa o principal objetivo do presente trabalho, procurando construir uma análise sobre as relações entre o poder dos oligarcas e a atuação dos cangaceiros, tendo em vista as condições sócio-econômicas nas quais estes grupos foram fomentados e o cenário político que possibilitou sua expansão por todo o sertão nordestino, traçando assim, o contexto histórico do desenvolvimento do cangaceirismo.

Contudo, é necessário salientar que não se pretende aqui investir numa discussão sobre a heroicidade ou a vilania dos cangaceiros. A posição adotada se refere ao banditismo social, trabalhado por Eric Hobsbawm em Bandidos (1975). Segundo o autor, o banditismo social se trataria de

“uma forma de rebelião individual ou minoritária nas sociedades camponesas. (...) O ponto básico a respeito dos bandidos sociais é que são proscritos rurais, encarados como criminosos pelo senhor e pelo Estado, mas que continuam a fazer parte da sociedade camponesa, e são considerados por sua gente como heróis, como campeões, vingadores, paladinos da Justiça, talvez até como líderes da libertação e, sempre, como homens a serem admirados, ajudados e sustentados.” [1]

Desta forma, os cangaceiros serão tratados como indivíduos marginalizados, originários, de um modo geral, das classes pobres rurais, oprimidos por um sistema econômico e político que privilegia os grandes proprietários e expropria o pequeno produtor. O apelo à criminalidade e à ilegalidade é, neste caso, uma forma de garantir a sobrevivência e a violência é uma estratégia de defesa do bando.

Neste sentido, é possível perceber a ambigüidade do fenômeno do cangaço, manifestada claramente no imaginário popular acerca destes grupos: ao mesmo tempo em que são apresentados como facínoras perversos, são mostrados como dotados de grande generosidade para com os pobres, realizando atos de caridade para os mais humildes e protegendo-os contra os desmandos dos poderosos.

Diante disto, o presente artigo tentará examinar o cangaço sob um ponto de vista que leve em consideração estas ambigüidades, conflitos e alianças que marcaram a história destes bandos, entendendo-os como atores históricos que tiveram um importante papel nos arranjos políticos e nas disputas de poder do Nordeste da República Velha.

Postagem: Lourival
Autor: Desconhecido

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